sábado, 27 de agosto de 2011

A SAGA AMOROSA DA COBRA NORATO

Cobra Grande, do blog raulbopp.blogspot.com


— E agora, compadre, 
 eu vou de volta pro Sem-Fim.

Vou lá para as terras altas, 
 onde a serra se amontoa, 
 onde correm os rios de águas claras 
 em matos de molungu.

Quero levar minha noiva. 
Quero estarzinho com ela 
numa casa de morar, 
com porta azul piquininha 
pintada a lápis de cor.

Quero sentir a quentura 
do seu corpo de vaivém. 
Querzinho de ficar junto 
quando a gente quer bem, bem;

Ficar à sombra do mato 
ouvir a jurucutu, 
águas que passam cantando 
pra gente se espreguiçar,

E quando estivermos à espera 
que a noite volte outra vez 
eu hei de contar histórias 
(histórias de não-dizer-nada) 
escrever nomes na areia
pro vento brincar de apagar.
       
              COBRA NORATO Parte XXXII

       Se COBRA NORATO é "o mais brasileiro de todos os livros de poemas brasileiros, escritos em qualquer tempo", tal como suspeitava Carlos Drummond de Andrade, Raul Bopp terá sido mesmo "o gênio da raça", conforme celebra o time do pratoantropofagico.blogspot.com. Esse poema, que sozinho bastaria para assegurar ao poeta morada eterna no coração de Antônio Houassis, projeta nossa antropofagia pré-tropicalista num espaço-tempo mágico, pois "o Sem-fim tem um nome (...): seu nome é a Amazônia, por suas águas, suas florestas, suas terras caídas, sua fecundidade, sua efervescência de vida, sua pululação de morte" (Houassis, 1973) e a saga amorosa da Cobra Norato remete-nos a "um retorno ao pré-tempo, ou seja, ao mito"  - destacam as autoras do raulbopp.blogspot.com. O autor, que em seu mergulho de re-descobrimento do Brasil viajou por todo o País, foi fortemente impactado pela floresta, densa e misteriosa, que representaria o "'Brasil cultural subjacente' a um 'Brasil cultural aparente'" (raulbopp.blogspot, 2006) com o qual o modernismo viria romper. E Bopp o faz, segundo Murilo Mendes, forjando "um léxico saboroso" que funde "sabiamente vozes indígenas e africanas" (Mendes, 1973), que subverte com simplicidade a lógica sintática do português 'culto'. Suas aventuras e pesquisas, financiou-as com o próprio trabalho, tendo exercido funções diversas como caixeiro de livraria e pintor de paredes. Talvez por isso, Sérgio Buarque de Holanda afirme que o poeta e sua poesia sejam inseparáveis, já que "formam uma harmonia tão inteira e acabada que dividir um do outro é correr o risco de mutilá-los" (Holanda, 1978).