sábado, 18 de setembro de 2010

A CARTA DE CAMINHA

Senhor:

Posto que o Capitão-mor desta nossa frota, e assim outros capitães, escreveram à Vossa Alteza a nova do achamento dessa vossa terra nova, (…) não deixarei também de dar disso conta à Vossa Alteza, assim como eu melhor puder. (…)

E nesse dia, a horas de véspera, houvemos vista de terra, seja, primeiramente de um grande monte, mui alto e redondo, e doutras terras mais baixas ao sul dele, e de terra chã, com muitos arvoredos; ao qual monte alto o Capitão poz nome – o Monte Pascoal e à terra – Terra de Vera Cruz.

Ali verieis galantes, pintados de preto e vermelho, e quartejados, assim pelos corpos, como pelas pernas, que, certo, assim pareciam bem. (...) A feição deles é serem pardos, um tanto avermelhados, de bons rostos e bons narizes, bem feitos. Andam nús, sem cobertura alguma. Nem fazem mais caso de encobrir suas vergonhas do que de mostrar a cara. Acerca disso são de grande inocência. (...) Ali andavam entre eles três ou quatro moças, bem novinhas e gentis, com cabelos muito pretos e compridos pelas costas; e suas vergonhas, tão altas e tão cerradinhas e tão limpas das cabeleiras que, de nós as muito bem olharmos não se envergonharam (ou: não nos envergonhamos).

Enquanto andávamos nessa mata a cortar lenha, atravessaram alguns papagaios essas árvores; verdes uns, e pardos, outros, grandes e pequenos, de sorte que me parece que haverá muitos nesta terra. (...) Vários diziam que viram rolas, mas eu não as vi. Todavia, segundo os arvoredos são muitos aqui, e grandes, e de infinitas espécies, não duvido que por esse sertão haja muitas aves! 

E cerca da noite volvemos para as naus com a nossa lenha.

E foi o Capitão com alguns de nós um pedaço por este arvoredo até um ribeiro grande, e de muita água… Ali descançamos, bebendo e folgando, ao longo dele, entre esse arvoredo que é tanto e tamanho e tão basto e de tanta qualidade de folhagem que não se pode calcular. Há lá muitas palmeiras de que colhemos bons palmitos.

Até agora não pudemos saber se há ouro ou prata nela, ou outra coisa de metal, ou ferro; nem lha vimos. Contudo a terra aqui é de muito bons ares… Em tal maneira graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo, por causa das águas que tem.

E dessa maneira dou aqui a Vossa Alteza conta do que nesta Vossa terra vi. E se a um pouco me alonguei, Ela me perdoe. Porque o desejo que eu tinha de vos tudo dizer, mô fez assim, pelo miúdo.

Beijo as mãos de Vossa Alteza.

Deste Porto Seguro, da Vossa Ilha de Vera Cruz, 
hoje, sexta-feira, primeiro dia de maio de 1500.

Pero Vaz de Caminha